segunda-feira, 27 de abril de 2015

Evangelho da vida: por uma teologia do corpo e da família

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
José Mário Brasiliense Carneiro, advogado com doutorado em AdministraçãoDiretor da Oficina Municipal, uma escola de cidadania e gestão pública vinculada à Fundação Konrad Adenauer e
conselheiro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

No dia 25 de março, a Encíclica Evangelium Vitae, de São João Paulo II, completou 20 anos. Sua mensagem central é a inviolabilidade da vida humana que têm sua origem e fim em Deus Pai, que se revelou no Filho, Redentor do homem.
Sensível à dignidade da pessoa humana, João Paulo II nos ensinou que o Evangelho deve ser proclamado como a feliz notícia do nascimento de um menino: o Messias, que funda e plenifica a alegria por cada criança que nasce no mundo.
Trata-se de um belíssimo texto que lança as luzes da verdade, fé e razão sobre as sombras do relativismo e assim desperta as pessoas da anestesia da consciência que as impede de ver no outro um semelhante.
Para celebrar esta encíclica fundamental ocorreram no Brasil eventos com a participação de Monsenhor Lívio Melina, Presidente do Instituto João Paulo II para Estudos sobre Matrimônio e a Família. Em São Paulo, foram dois encontros promovidos pelas Cátedras Franco Montoro de Direito da Família e João Paulo II para Nova Evangelização, em conjunto com o Núcleo Fé e Cultura, todos na PUC-SP, no dia 26 de março.
Monsenhor Melina apresentou os traços essenciais de uma teologia da família recordando João Paulo II que surpreendeu a opinião pública e a comunidade eclesial ao tratar do amor entre homem e mulher com uma conotação antropológica que vê a família cristã na perspectiva da evangelização. Ele apresenta a relação entre homem e mulher como parte da imagem divina impressa no ser humano. Dos casais originam-se as relações fundadas na revelação da vida íntima de Deus como comunhão de três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo.
Monsenhor Melina reafirmou que a família permanece um fenômeno inerente à dimensão interpessoal da existência. O mistério de cada pessoa e cada família se exprime em uma modalidade específica de conhecimento que exige a superação do horizonte racionalista.
A razão não deve excluir o que a supera mas sim abrir-se à realidade na totalidade dos seus fatores, entre eles, a transcendência. Por outro lado, a especificidade da missão da família cristã na sua relação com a missão da Igreja decorre do fato que a comunhão de pessoas está ligada à dimensão da corporeidade.
Por isso, nos dizeres de Monsenhor Melina, é decisiva uma teologia do corpo inerente ao amor humano. O corpo é o lugar da hospitalidade e da realidade que, tocando o ser humano, o provoca e interpela. A percepção erótica desperta o sujeito pois faz abrir os olhos sobre o outro, não como uma coisa e sim como alteridade que não me pertence mas a quem simultaneamente me ofereço. Um outro que é para mim e um eu que é para o outro.
A diferença sexual do corpo masculino e feminino remete a um dom de si total, fecundo e aberto à vida. Esta perspectiva de João Paulo II encontra eco nas palavras e ações do papa Francisco que quer oferecer uma esperança concreta a todas as famílias, em especial, às famílias feridas, aos homens e mulheres incertos, às pessoas que esperam uma resposta para sua vida.
E, finalmente, seguindo as reflexões de Monsenhor Melina, a comunhão do corpo se realiza no corpo místico que é a Igreja: comunhão de pessoas que tornou-se possível pelo dom de Cristo. E a Eucaristia, por sua vez, é o Sacramento da única e irrepetível doação de Cristo, que permite a união do corpo da Igreja e da família entendida como Igreja doméstica e missionária.
Jornal “O São Paulo”, edição 3048, de 23 a 28 de abril de 2015.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Maioridade penal: olhando para além da grande neblina...

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Jair Militão da Silva é pedagogo, mestre em Filosofia da Educação pela PUC-SP, doutor e livre docente em Educação pela USP, membro da Academia Paulista de Educaçção e conselheiro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP .

O tema da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos é objeto de discussão que divide a sociedade brasileira.  Fundamentando a lógica da defesa está a hipótese de que a punição dos crimes, que leva à prisão, seria a solução para a diminuição da violência e para maior proteção da sociedade.
Isso nos pede um olhar sobre o sistema de segurança brasileiro que se sustenta nos organismos policiais ostensivos e investigativos; na Justiça, incluindo aquela especializada na infância e juventude; no sistema penitenciário, que apresenta comprovadamente uma alta taxa de reincidência. Podemos dizer que, à luz da consideração da dignidade humana, este sistema opera com eficiência, eficácia e efetividade? Certamente há necessidade de aperfeiçoamento de muitas dimensões da segurança pública no Brasil.
Buscando olhar para além das aparências que se apresentam como uma grande neblina podemos colocar em pauta o tema das políticas públicas para a infância e juventude brasileiras. Uma sociedade diz de seu futuro, ou seja, como pretende ser nas próximas décadas, quando mostra como trata sua infância e juventude.
Olharmos com os olhos da Educação o tema da redução da maioridade penal sempre nos faz propor ações a serem feitas, pois é da natureza do trabalho educativo a intervenção na realidade.
A criança e o jovem distinguem-se do adulto entre outras coisas pela sua plasticidade, ou seja, pela sua potencialidade maior de mudança, uma vez que se encontra em plena fase de formação e amadurecimento. Evidentemente, o adulto sempre manterá esta possibilidade de mudança e aperfeiçoamento. Todavia, é na infância e juventude que reside a grande possibilidade de construção do caráter. Cumpre lembrar que esta formação da criança e do jovem ocorre em ambientes formativos que se constituem por uma relação com outras pessoas que se tornam referencia para a criança e o jovem e um ambiente físico concreto.
Hoje encontramos como ambientes educativos a Família, a Igreja, o Estado, a Escola, o Mundo do Trabalho, o Clube, os Partidos, a Televisão, as Redes Sociais, o Cinema, a Rua, o Crime Organizado e muitos outros ambientes dos quais ainda nem nos damos conta como sociedade. Em todos esses ambientes há sujeitos educativos que comunicam uma mensagem formativa de valores para a criança e para o jovem. A disputa pela hegemonia na formação do jovem e da criança ocorre em torno do que seja uma vida boa e uma boa morte, mesmo que isso nem sempre esteja explicito e consciente.
A nós educadores cristãos, está aberta uma grande missão: anunciar que a vida boa e a boa morte são possíveis, com a ajuda de Deus, que se manifestou em Jesus Cristo, seja em nosso ambiente próprio de trabalho – a escola – seja na família. O Dom da Paz dado por Cristo Ressuscitado pode criar e cria a comunhão entre as pessoas, fortalecendo as famílias e as comunidades que lhes dão apoio. O amor e o perdão são as bases de uma nova sociedade capaz de superar o individualismo e o confronto. Os conflitos podem resolver-se pelo diálogo.
Utopia ou Fé? Penso que a Fé, como disse Jesus, pode transportar montanhas. Cumpre oferecer às nossas crianças e jovens a oportunidade de receber a Fé. Passar a Fé aos filhos é sem dúvida contribuir para melhorar nossa sociedade.
Jornal “O São Paulo”, edição 3047, de 15 a 22 de abril de 2015.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

O Direito ao desarmamento

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte

Wagner Balera é professor titular de Direitos Humanos na Faculdade de Direito da PUC-SP e conselheiro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

Ao lançar a Pacem in terris, há mais de cinquenta anos, São João XXIII afirmou: a guerra jamais pode ser justa. Diante da imensidade dos problemas bélicos existentes no mundo de hoje, o verdadeiro esforço da comunidade internacional deve se voltar para a afirmação imediata do direito ao desarmamento.
No entanto, parece existir um volume cada vez maior de armas por todos os cantos. Não se trata, tão somente das armas de grande porte ou de grosso calibre, das quais são detentores os Estados e muitos grupos terroristas. Existe um crescendo assustador de armas de pequeno porte, encontradas nas mãos até mesmo de crianças de tenra idade.
A violência generalizada, tem as suas explicações.
Em 2013, a Assembleia da ONU aprovou o Tratado Internacional sobre Comércio de Armas, assinado pelo Brasil mas até agora não ratificado pelo Estado brasileiro, condição para que entre em vigor por aqui. Aliás, como um dos quatro maiores exportadores de armamentos no mundo (ao lado de Estados Unidos, Itália e Alemanha), parece ter optado o Brasil pelo negócio da guerra e não pelo negócio da paz.
Apesar da crise econômica mundial, o gasto com armamentos tem aumentado significativamente. Só no ano de 2014, o comércio mundial de armas teve um incremento de 1,4%. E, mais uma vez, o Brasil desponta como o décimo primeiro pais que mais gasta com armamentos.
Para que se tenha uma ideia em termos comparativos, o gasto com mais importante programa social do Governo Federal – o bolsa-família – foi de 25 bilhões de reais em 2013 e, no mesmo ano, o Brasil gastou 33 bilhões com a aquisição de armas.
Tudo isso revela um profundo paradoxo.
Com efeito, na Declaração do Milênio, do ano 2000, a imensa maioria dos integrantes das Nações Unidas se comprometeu com o desarmamento, para libertar os povos da “praga” da guerra! No entanto, passados os quinze anos assinalados naquele histórico compromisso, o que se fez foi o incremento cada vez maior nos gastos com o armamento.
Impressiona, ainda, o fato de que tudo isso tenha acontecido nos anos subsequentes ao fim da guerra fria, pretexto que fora utilizado historicamente para que os blocos de poder do mundo intentassem a corrida armamentista.
Quem são os atuais senhores da guerra?
A história da mais recente guerra mundial (1939-1945) identificava os líderes do Reino Unido, dos Estados Unidos da América e da então União Soviética como os senhores da guerra, unidos pelo objetivo comum da derrota do outro senhor da guerra que, não esperando para ser enforcado, cometeu o suicídio. ´
Ocorre que os mesmos ocupantes dos cargos seguirem acumulando armamentos, e a eles se associaram a França e a China. Esse quinteto tem poder de veto em todas as decisões do Conselho de Segurança das Nações Unidas e nada tem feito para que se instaure, o quanto antes, o direito ao desarmamento.
São eles os senhores da guerra, em tempo de paz, e não querem que a ameaça de novas guerras deixe de existir porque, coincidentemente, estão – os cinco – entre os dez maiores produtores de armas do mundo.
É verdadeiro o aforismo dos romanos: si vis pacem para bellum (se queres a paz, prepara-te para a guerra)? Parece que sim, pois os senhores da guerra incentivam o armamento e, por consequência, impedem o desarmamento...
Desde a histórica Resolução n. 1378, de 1959, as Nações Unidas têm preconizado o desarmamento geral e completo. Todos os anos, a Assembleia Geral tem reassumido esse compromisso.
Porque os senhores da guerra não deixam que se cumpra tal desiderato?
Jornal “O São Paulo”, edição 3046, de 15 a 22 de abril de 2015.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

A Paixão de Jesus

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte

Francisco Catão, se doutorou há 50 anos na Universidade de Estrasburgo (França) com a tese "A doutrina de Tomás de Aquino sobre a redenção e a salvação" (Paris: Aubier, 1965), é conselheiro do Núcleo Fé e Cultura 
da PUC-SP.

Há várias formas de abordar o mistério da Cruz e da Ressurreição. O importante é nunca separar esses dois aspectos, sob pena de violar a tradição da fé.
Como, porém, pensar, num só mistério, a Cruz e a Ressurreição?
A Teologia, desde os tempos apostólicos, enfrenta esse desafio. Guiados pela Revelação, os autores cristãos recorreram às Escrituras hebraicas, procurando encontrar as expressões mais adequadas para lançar alguma luz sobre a afirmação básica da fé, o querigma:
Jesus, com quem os apóstolos haviam convivido, passou pela humilhação da Cruz no cumprimento da vontade do Pai, mas está vivo, como homem e nos envia o seu Espírito, que, acolhido na fé, nos capacita a testemunhar da salvação, oferecida a todos.
Um momento crucial na compreensão do mistério ocorreu nos inícios da escolástica, ou seja, da aventura de exprimir a fé em categorias lógicas, para iluminar o mistério de Deus.
Explicava-se a Cruz, pela condição pecadora da humanidade: havia sido o meio escolhido por Deus para que Jesus, segundo Adão na expressão de Paulo, pagasse pelo pecado de toda a humanidade e nos resgatasse da escravidão do pecado, pelo oferecimento de si mesmo, cordeiro sem mancha, num sacrifício perfeito, para a purificação do pecado.
Essa teologia ganhou grande prestígio desde o século XII e ainda hoje subjaz a muitos ambientes cristãos, como se vê em numerosas celebrações da Semana Santa.
Como nos ensina a história, porém, já no século XIII, Tomás de Aquino, no fim de sua vida, mostrou que satisfação, resgate e sacrifício são formas humanas de fundo jurídico, usadas para exprimir a relação pessoal de Jesus com o Pai e conosco, que é de ordem estritamente pessoal, de fé, esperança e amor.
Deve-se, portanto, atribuir o gesto salvador de Jesus ao amor de Deus para conosco e ao amor do homem Jesus para com  todos os homens e mulheres, seus irmãos, unindo dessa forma, Cruz e Ressurreição, como duas expressões intimamente conexas da misericórdia de Deus, que encontra eco no coração de Jesus.
Ainda hoje, a teologia, por razões, até certo ponto explicáveis, se apega à compreensão medieval do gesto redentor de Jesus, pois na Igreja, muitas pessoas, inclusive clérigos, ainda a entendem como uma estrutura de caráter jurídico e acabam projetando em Jesus, sua limitada compreensão de Igreja.
Felizmente, a partir do Vaticano II, cresce a compreensão de que a Igreja, na história, se reveste naturalmente de uma estrutura jurídica, mas, é de fato, em profundidade, antes de tudo, um povo sustentado pela misericórdia de Deus e por seu amor para conosco, que nos reconhecemos pobres pecadores.
O Espírito, com que Jesus deu a sua vida por nós, resultou da plenitude da misericórdia divina, vivida em seu coração humano. O Amor de Deus por nós, vivido por Jesus, permite-nos compreender que Cruz e Ressureição são manifestações de um  mesmo mistério de Amor e de Misericórdia.
Místicos, como santa Teresa de Jesus, cujo quingentésimo centenário do nascimento celebramos, e como o papa Francisco, como o tem demonstrado, inclusive pela proclamação de um ano da Misericórdia, nos servem de guias no resgate da compreensão da Igreja como o Povo de Deus, nascido do Amor e da Misericórdia, no Espírito de Jesus.
E, é nesse Espírito que nos preparamos para celebrar a Páscoa.
Jornal “O São Paulo”, edição 3045, de 01 a 07  de abril de 2015.