segunda-feira, 29 de junho de 2015

Laudato si’ e a conversão ecológica proposta pelo Papa Francisco

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte

Francisco Borba Ribeiro Neto, biólogo e sociólogo, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, foi professor de Ecologia na PUC-Campinas, dedicando-se à pesquisa sobre as interações entre sociedade e ecossistemas.

Laudato si’, a encíclica ecológica do Papa Francisco, chegou precedida de grande expectativa. Talvez a melhor imagem do que o mundo espera da encíclica seja um vídeo humorístico em que o Papa é apresentado como um herói na luta em defesa do clima. O vídeo saiu do ar por pressão de grupos católicos norte-americanos, mas ilustra tanto a imagem alegre e simpática quanto a carga de esperança despertada pelo papa atual.
A encíclica vem para fortalecer a Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, que acontecerá em Paris em dezembro. Depois do Protocolo de Kyoto, de 1997, pacto mundial anterior para a redução dos gases responsáveis pelo efeito estufa, por falhas do acordo e pela falta de vontade política dos maiores poluidores (EUA e China), a concentração destes gases aumentou, assim como a percepção dos desastres naturais associados a eventos climáticos (como furacões, secas prolongadas, invernos muito frios e enchentes).
Diante desta situação, o Papa Francisco coloca toda a sua autoridade moral – ele que é o líder mundial mais respeitado e admirado da atualidade – a serviço da defesa do meio ambiente e da sustentabilidade da vida humana e de todos os seres vivos no planeta.
Ele deixa claro que não deseja entrar em polêmicas científicas sobre o peso das causas naturais e das atividades humanas nas variações climáticas – mas pede que os países tomem medidas concretas para não aumentar os riscos do aquecimento global e outros problemas ambientais.
Todos são vítimas da crise ecológica, mas são sempre os mais pobres, os excluídos, quem mais sofre. Por isso, ao enfrentar os problemas ambientais, temos que ter uma preocupação particular com as questões sociais correlacionadas. A responsabilidade ambiental é de todos, ricos e pobres. Mas aqueles que mais usufruíram dos recursos naturais têm um dever maior na conservação do meio ambiente, devendo fazer maiores sacrifícios e colaborar com os demais.
Laudato si’ é a primeira encíclica ecológica da história, mas o tema ambiental já há muito preocupa a Igreja. A nova encíclica segue uma linha traçada por Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI, que enfatiza a responsabilidade da humanidade diante da criação.
Uma famosa citação da Bíblia diz que Deus criou o homem para que ele dominasse a terra (Gn 1, 26). Mas, numa correta interpretação, esta frase não quer dizer que o homem pode fazer o que bem entender com a natureza, mas sim que ele deve cultivá-la e guardá-la (Gn 2, 15) segundo o desígnio de Deus – que deseja a harmonia entre todas as coisas. A encíclica de Francisco deverá se orientar nesta perspectiva de reforçar a responsabilidade do ser humano como guardião que cultiva com amor a criação e não como dominador que a explora e desfruta para depois a descartar ou abandonar.
A ética ambiental de Francisco, como não poderia deixar de ser, ainda que precisa e vigorosa na denúncia dos erros dos poderosos, é marcada pela misericórdia e pela mística do encontro com Cristo. Sua encíclica não é uma simples reafirmação da necessidade de conservar o ambiente por um imperativo moral nascido da crise ecológica. É também um convite para uma “conversão ecológica”, uma postura de amor ao próximo e à natureza, uma ética do cuidado profundamente mística e religiosa, que “religa” o homem ao cosmo e a sua própria natureza.
Jornal "O São Paulo", edição 3057, de 24 a 30 de junho de 2015.

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