sexta-feira, 30 de setembro de 2016

As eleições municipais e a Doutrina Social da Igreja

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Rafael Mahfoud Marcoccia é professor do Centro Universitário da FEI, fez Doutorado sobre Doutrina Social da Igreja e é colaborador do site católico Terre d'America. 

Em outubro estaremos diante de mais uma eleição para prefeito e vereador. Desejamos compreender os critérios oferecidos pela Igreja Católica para escolher os candidatos e viver o momento das eleições de modo positivo e construtivo.
Em uma sociedade, as pessoas se organizam em grupos e movimentos para responder às suas exigências e necessidades mais profundas. São inúmeros exemplos, tais como: centros de acolhida para pessoas em situações críticas, creches, centros de formação profissional, escolas, hospitais filantrópicos, cooperativas de microcrédito, cooperativas de trabalho, atividades de assistência a idosos, entre outros. São presenças capilares no tecido da nossa sociedade. 
Essa riqueza não depende exclusivamente da ação de quem “faz política”, mas das realidades sociais que vivem uma estima sincera para com o outro, em qualquer situação que este se encontre, que o torna mais livre e responsável diante das próprias circunstâncias da vida. São experiências de solidariedade e gratuidade. Isso é construção política!
Partindo da experiência humana, a Doutrina Social da Igreja nos convida a participar da vida política de nosso município em torno de alguns princípios:
1) Princípio da Dignidade Humana: significa aceitar que no centro do sistema político está a pessoa com os seus direitos e seus deveres. O governo deve garantir a liberdade de pensamento e consciência, de educação e de associação, e reconhecer o valor da pessoa da concepção até o último instante da vida.
2) Princípio de Solidariedade: defende que não se dê como caridade o que já é devido a título de justiça; que se eliminem as causas estruturais dos males, não só os efeitos; e que a ajuda seja encaminhada de tal modo que, os que a recebem, aos poucos, se libertem da dependência e se tornem autossuficientes (cf. Concílio Vaticano II, n. 8).
3) Princípio de Subsidiariedade: sugere que tudo aquilo que pode ser realizado pela sociedade deve ser incentivado e incrementado pelo poder público, deixando para o governo somente aquilo que a sociedade não é capaz de resolver, e sua fiscalização.
Concretamente podemos exemplificar a aplicação desses princípios:
- na educação: o poder público deve incentivar e apoiar integralmente, inclusive no campo financeiro, todas as propostas educativas, como creches, escolas, centros de formação e universidades criadas pelas próprias comunidades ou por organizações religiosas e leigas, que sejam eficientes e verdadeiramente públicas.
- na saúde: cabe à administração pública valorizar obras nascidas da sociedade, como a Santa Casa de Misericórdia, aumentar as verbas repassadas a essas instituições, além de valorizar o serviço prestado pelos ambulatórios médicos e odontológicos que oferecem serviços gratuitos às populações mais pobres.
- na habitação: o governo deve favorecer associações que realizam assentamentos legais e regularizados, e fazer convênios de assessoria técnica e econômica, ou seja, favorecer as inúmeras experiências de mutirões existentes.
Em suma, a política precisa de governantes éticos e que respeitem a liberdade e a criatividade das pessoas, valorizando as iniciativas sociais que delas nascem e respondem às necessidades cotidianas. A política não precisa de pessoas que se julgam no direito de decidir o que é bom para todos. Que cada pessoa seja protagonista de sua história e que possa estar sempre a serviço do bem comum.
Jornal "O São Paulo", edição 3121, 28 de setembro a 4 de outubro de 2016.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

O Profetismo da Igreja Doméstica

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte

Padre Denilson Geraldo, SAC, é professor da Faculdade de Teologia da PUC-SP e membro da Cátedra André Franco Montoro de DIreito da Família da PUC-SP. 

As Conferências do Episcopado Latino-Americano e do Caribe apresentam, de Medellín a Aparecida, a dimensão profética da Igreja doméstica que se exprime no anúncio do Evangelho e na denúncia das injustiças sofridas, principalmente contra as mulheres. O II Simpósio Internacional de Teologia da PUC-SP, na mesa temática apresentada no campus Santana, refletiu sobre a centralidade da mulher para a configuração da família e sua desconfiguração pela violência.
O fundamento da abordagem encontra-se no conceito de pessoa como imagem e semelhança de Deus e no reconhecimento de sua dignidade. As denúncias do CELAM se fazem diante das diversas formas de violência, principalmente contra a mulher pobre, ainda mais vulnerável. Estudos apontam que a violência não é um fenômeno somente da miséria material, mas se relaciona com os determinantes sociais ao qual a mulher pertence e onde a relação de dominação sobrepõe-se à de amar, ou seja, a violência doméstica encontra-se em todas as classes sociais. A família, que representa um lugar de refúgio e segurança torna-se, para muitas mulheres, o local da vulnerabilidade, destacando-se o problema do machismo. A família, como Igreja doméstica profética, não pode deixar de fazer a denúncia das situações de violência.
A prática de Jesus foi decisiva para ressaltar-se a dignidade da mulher e seu valor insubstituível. A figura de Maria, discípula por excelência entre os discípulos, é fundamental na recuperação da identidade da mulher e de seu valor na vida eclesial, familiar, cultural, social e econômica, criando espaços e estruturas que favoreçam sua participação. O anúncio dessa boa nova será sempre proclamado pela família.
De fato, é necessário superar a mentalidade que ignora a novidade do cristianismo, no qual se reconhece a identidade da mulher e torna-se urgente à Pastoral Familiar a necessidade de uma escuta qualificada do clamor, muitas vezes silenciado pela violência de mulheres submetidas a muitas formas de exclusão. A escuta qualificada significa a urgência em preparar pessoas para acolher as vítimas, especialmente aqueles que trabalham na secretaria paroquial e na Pastoral Familiar, proporcionando uma acolhida em situação de extrema vulnerabilidade. 
Acolher é o primeiro passo para ajudar a vítima de violência a readquirir a autoestima e a coragem para falar sobre o que se passa na intimidade do lar, superando a vergonha familiar e social. O acolhimento na comunidade paroquial faz a pessoa retornar porque sabe que, se acontecer novamente a violência, não será julgada ou debochada. Do mesmo modo, o sacerdote no Sacramento da Penitência saberá acolher a pessoa enfraquecida pela situação doméstica e ajudará a própria vítima a adquirir forças para tomar decisões que coloquem fim à violência doméstica. A acolhida é sinal de uma Igreja paroquial em saída, de uma verdadeira opção pelos pobres. Oferecer uma formação qualificada de acolhimento às vítimas de violência pode ser uma excelente contribuição da Pastoral Familiar diocesana às comunidades.
O desejo de estar e viver em família faz parte da natureza humana, como uma verdadeira ecologia humana, abrindo espaço para um efetivo profetismo da Igreja doméstica. A família é o rosto visível e concreto do Mistério da Igreja, “Sacramento de salvação” no mundo. É a célula viva da sociedade e da Igreja, lugar privilegiado no qual os batizados têm a possibilidade de fazer uma experiência concreta do encontro com Cristo e da sua dimensão profética. A mulher tem uma centralidade para a configuração da família, mas a violência doméstica desconfigura essa comunidade de vida e amor.
 Jornal "O São Paulo", edição 3120, 21 a 27 de setembro de 2016.

O Profetismo da Igreja Doméstica




Padre Denilson Geraldo, SAC, é professor da Faculdade de Teologia da PUC-SP e membro da Cátedra André Franco Montoro de DIreito da Família da PUC-SP. 


As Conferências do Episcopado Latino-Americano e do Caribe apresentam, de Medellín a Aparecida, a dimensão profética da Igreja doméstica que se exprime no anúncio do Evangelho e na denúncia das injustiças sofridas, principalmente contra as mulheres. O II Simpósio Internacional de Teologia da PUC-SP, na mesa temática apresentada no campus Santana, refletiu sobre a centralidade da mulher para a configuração da família e sua desconfiguração pela violência.
O fundamento da abordagem encontra-se no conceito de pessoa como imagem e semelhança de Deus e no reconhecimento de sua dignidade. As denúncias do CELAM se fazem diante das diversas formas de violência, principalmente contra a mulher pobre, ainda mais vulnerável. Estudos apontam que a violência não é um fenômeno somente da miséria material, mas se relaciona com os determinantes sociais ao qual a mulher pertence e onde a relação de dominação sobrepõe-se à de amar, ou seja, a violência doméstica encontra-se em todas as classes sociais. A família, que representa um lugar de refúgio e segurança torna-se, para muitas mulheres, o local da vulnerabilidade, destacando-se o problema do machismo. A família, como Igreja doméstica profética, não pode deixar de fazer a denúncia das situações de violência.
A prática de Jesus foi decisiva para ressaltar-se a dignidade da mulher e seu valor insubstituível. A figura de Maria, discípula por excelência entre os discípulos, é fundamental na recuperação da identidade da mulher e de seu valor na vida eclesial, familiar, cultural, social e econômica, criando espaços e estruturas que favoreçam sua participação. O anúncio dessa boa nova será sempre proclamado pela família.
De fato, é necessário superar a mentalidade que ignora a novidade do cristianismo, no qual se reconhece a identidade da mulher e torna-se urgente à Pastoral Familiar a necessidade de uma escuta qualificada do clamor, muitas vezes silenciado pela violência de mulheres submetidas a muitas formas de exclusão. A escuta qualificada significa a urgência em preparar pessoas para acolher as vítimas, especialmente aqueles que trabalham na secretaria paroquial e na Pastoral Familiar, proporcionando uma acolhida em situação de extrema vulnerabilidade. 
Acolher é o primeiro passo para ajudar a vítima de violência a readquirir a autoestima e a coragem para falar sobre o que se passa na intimidade do lar, superando a vergonha familiar e social. O acolhimento na comunidade paroquial faz a pessoa retornar porque sabe que, se acontecer novamente a violência, não será julgada ou debochada. Do mesmo modo, o sacerdote no Sacramento da Penitência saberá acolher a pessoa enfraquecida pela situação doméstica e ajudará a própria vítima a adquirir forças para tomar decisões que coloquem fim à violência doméstica. A acolhida é sinal de uma Igreja paroquial em saída, de uma verdadeira opção pelos pobres. Oferecer uma formação qualificada de acolhimento às vítimas de violência pode ser uma excelente contribuição da Pastoral Familiar diocesana às comunidades.
O desejo de estar e viver em família faz parte da natureza humana, como uma verdadeira ecologia humana, abrindo espaço para um efetivo profetismo da Igreja doméstica. A família é o rosto visível e concreto do Mistério da Igreja, “Sacramento de salvação” no mundo. É a célula viva da sociedade e da Igreja, lugar privilegiado no qual os batizados têm a possibilidade de fazer uma experiência concreta do encontro com Cristo e da sua dimensão profética. A mulher tem uma centralidade para a configuração da família, mas a violência doméstica desconfigura essa comunidade de vida e amor.
 Jornal "O São Paulo", edição 3120, 21 a 27 de setembro de 2016.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Verdade, fatos e versões

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Klaus Brüschke, é membro do movimento dos Focolares, ex-publisher da Editora Cidade Nova, articulista da revista Cidade Nova.

Os recentes acontecimentos políticos do País trazem à luz um fenômeno dos tempos atuais. Se formos além das narrativas construídas para a opinião pública e dos interesses dela ocultados, depararemos com verdades em todos os contendores; não há um lado puramente “certo” ou puramente “errado”. O mesmo se poderia dizer do plebiscito sobre o Brexit, no Reino Unido, da política sobre os refugiados na Europa, da questão entre israelenses e palestinos no Oriente Médio, e de tantos acontecimentos, daqueles de nosso cotidiano aos que afetam a humanidade toda. Vivemos hoje numa sociedade complexa, explicaria Edgard Morin. Assim, não bastam alguns esquemas para dar conta da realidade. A verdade – “correspondência, adequação ou harmonia passível de ser estabelecida, por meio de um discurso ou pensamento, entre a subjetividade cognitiva do intelecto humano e os fatos, eventos e seres da realidade objetiva” (Houaiss) – não é mais inteligível.
Observamos então algumas atitudes decorrentes disso.
Uma é agarrar-se a afirmações já consolidadas, simplificando a realidade, ignorando ou rejeitando o que não se enquadra nelas, classificando-as como errôneas – ou mesmo como pecaminosas e ação do demônio… Comportamento que se revela intolerante.
Outra é desistir de procurar a verdade, relativizando-a, ou mesmo renunciar aos fatos, preferindo versões ou opiniões – ainda que não exatamente verazes, mas em sintonia com as próprias convicções. A tolerância aqui é manifestada de duas formas: as diversidades são pacificamente aceitas, sem interferirem umas nas outras, ou viram tabu, aceitas desde que silenciadas e guardadas na esfera do privado.
O pluralismo da verdade expressa que só é possível apreender parte dela, que transcende a todos, e que esta se desenha como um mosaico de muitas tesselas, e também que ela é dita de diferentes modos, pois sua compreensão é mediada por fatores históricos, culturais, etc. A compreensão da verdade se dá, então, mediante processos interativos entre pessoas, processos de “comunicação colaborativa”.
Um desses processos é o debate. Nele, as diferentes proposições são argumentadas até os envolvidos formarem suas convicções. Contudo, pelo seu método de convencimento, ainda se tende à prevalência de uma das teses – como vemos nos tribunais, nos parlamentos, nas mesas-redondas…
Já no diálogo visa-se compartilhar visões. Sua finalidade não é “analisar as coisas, vencer uma discussão ou trocar nossas opiniões. É suspender nossas opiniões para considerar as opiniões de todos, para escutá-los e depois suspendê-los, para ver o que emerge disso tudo”, observa David Bohm. Paulo Freire ensina: “O diálogo é encontro entre homens, mediado pelo mundo, para dar um nome ao mundo”.
Por se tratar de um encontro entre pessoas – não entre posições, ideias, conceitos… – um pré-requisito, segundo Chiara Lubich, é que antes elas se amem, com aquele amor de Cristo, que possui algumas características: é universal e inclusivo, é proativo, reconhece o valor do interlocutor e é empático (“faz-se um”, diz Chiara). Outro pressuposto é a escuta, a capacidade de tentar compreender as razões do interlocutor, de ver as coisas com seus olhos.
Assim se dá um aprendizado recíproco e, não raramente, o encantamento com uma verdade mais complexa que se vai descobrindo juntos e aos poucos. Então, a riqueza da diversidade não será mera retórica, mas uma experiência de fato.
Jornal "O São Paulo", edição 3119, 14 a 20 de setembro de 2016.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Essa dor terrível

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Francisco Borba Ribeiro Neto, 
coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

Os jornais noticiaram, nas últimas semanas, mais dois casos nos quais os pais, pelo que tudo indicam, se suicidaram e mataram também seus filhos. Um aconteceu num condomínio residencial de classe média alta do Rio de Janeiro, outro no Fórum Trabalhista de São Paulo.
Pelo que sabemos, são acontecimentos muito raros, se comparamos com o número de mortes violentas e até de suicídios no Brasil. Mas, num período recente, os jornais têm noticiado, em média, pelo menos um caso por ano. Número suficiente para nos afligir e nos pedir uma resposta, um “porque” ou um “que fazer”.
Psicólogos e sociólogos apontam as pressões sociais e a fragilidade das relações interpessoais como fatores que aumentam as chances de suicídios na sociedade atual. No caso dos pais que matam seus filhos ao se suicidar, os psicólogos também apontam um fator de “proteção”: evitar que as crianças fiquem sozinhas nesse mundo desumano que levou o pai à morte.
É bom lembrar, em nosso contexto, que a Igreja considera o suicídio como um ato que contraria o desígnio de Deus e a inclinação natural do ser humano, mas também percebe que pode ser consequência de perturbações psíquicas graves e não um ato livre da pessoa (Catecismo da Igreja Católica, 2280s). Antes de um ato moral a ser julgado, estamos diante de uma dor terrível a ser acolhida com amor.
Sofrimentos tão grandes, aparentemente tão absurdos e sem sentido, não são raros na história humana. Mas, para cada sofredor, sua dor é única e, no auge da dor, saber que outros também sofrem não é mais que um pálido consolo. Apesar disso, vale a pena, nesses momentos, procurar na história as palavras que a sabedoria cristã encontrou para se dirigir a Deus e aos irmãos diante das grandes provações.
Em 28 de maio de 2006, Bento XVI, em sua visita ao Campo de Contração de Auschwitz-Birkenau, símbolo maior do horror dos genocídios do século XX, clamava: “Onde estava Deus naqueles dias? Por que Ele silenciou?”. Diante desses casos terríveis de pais que se suicidam levando seus filhos junto, podemos nos fazer a mesma pergunta.
Gostaríamos de poder não olhar para esses casos, fazer de conta que nem sequer sabemos que aconteceram. Mas, Bento XVI fez questão de dizer que tanto ele quanto João Paulo II, enquanto papas, não podiam deixar de visitar Auschwitz. Nossa fé nos conclama a reconhecer a dor do outro, a mergulhar nela, seja para expressar nossa pobre e aparentemente vã solidariedade, seja para mergulhar mais no mistério de Deus que não eliminou o sofrimento, mas com Cristo escolheu sofrer com suas criaturas.
Continua Bento XVI: “Nós não podemos perscrutar o segredo de Deus vemos apenas fragmentos e enganamo-nos se pretendemos eleger-nos a juízes de Deus e da história. Não defendemos, nesse caso, o homem, mas contribuiremos apenas para a sua destruição [...] Devemos elevar um grito humilde, mas insistente, a Deus: Desperta! Não te esqueças da tua criatura, o homem! E o nosso grito a Deus deve ao mesmo tempo ser um grito que penetra o nosso próprio coração, para que desperte em nós a presença escondida de Deus, para que aquele seu poder que Ele depositou nos nossos corações não seja coberto e sufocado em nós pela lama do egoísmo, do medo dos homens, da indiferença e do oportunismo”.
Diante do luto e da dor das famílias vitimadas por esses suicídios, diante da angústia que nos aflige quando pensamos nelas, a sabedoria cristã não dá uma resposta fácil e esquemática, mas nos recorda a esperança e o alento de quem se reconhece sob o manto da ternura de Deus.
Jornal "O São Paulo", edição 3118, 7 a 13 de setembro de 2016.

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Crescendo em virtudes a partir dos Jogos Olímpicos

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Ricardo Gaiotti Silva é advogado, juiz eclesiástico no Tribunal Interdiocesano de Aparecida, mestrando em Filosofia do Direito pela PUC-SP e mestrando em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade de Salamanca - Espanha.

O cenário “bélico” que estava rodeando os noticiários do Brasil foi amenizado pelas Olimpíadas. Por outro lado, fomos bombardeados de informações como nomes de atletas, países e esportes desconhecidos, números e marcas que nunca tínhamos ouvido falar. Diante de tanta coisa que nos foi passada, podemos tirar inúmeras lições para o nosso dia a dia. De fato, há muitos bons frutos a colher, quer seja a partir da disciplina dos campeões, dos esforços dos derrotados e até mesmo da disputa sadia com os “inimigos”.
Lição de Fraternidade: como não se emocionar com a abertura dos jogos, sinal de união pacífica entre os povos, testemunho de que mesmo diante de nossas diferenças somos irmãos, filhos do mesmo “Pai”, tendo em vista que “Deus não faz distinção de pessoas” (At 10, 34). Sem dúvida, fica para nós a lição de que juntos podemos construir um mundo melhor, pois “a humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na construção da nossa casa comum” (Papa Francisco na Encíclica Laudato si’).
Lição de Perseverança: emocionante foi a conquista do ginasta brasileiro Diego Hypólito, que após dois fracassos em Olimpíadas anteriores conseguiu a tão sonhada medalha. Já com a medalha no peito, desabafou emocionado: “Nunca deixe que digam até onde vai o seu sonho. Se nós trabalharmos, temos a possibilidade de chegar em um resultado que sonhamos”. Diego foi um perseverante, não desistiu apesar das quedas. Diante deste exemplo, recordo-me uma frase de São Josemaria Escrivá: “A vida espiritual é um contínuo começar e recomeçar”. A nós fica a lição: não desistir diante das quedas.
Lição de Reconciliação: uma simples “selfie” entre duas ginastas coreanas – uma do norte outra do sul, cidadãs de países “inimigos” -, nos deu a lição de que, como disse São João Paulo II em sua mensagem para a celebração do XVI dia Mundial da Paz, “o diálogo para a paz é possível, pois os homens afinal são capazes de ultrapassar as divisões, os conflitos de interesses e mesmo as oposições que parecem radicais, se acreditarem na eficácia do diálogo”.
Outra bela lição nos deu o Papa Francisco em sua mensagem por ocasião dos Jogos Olímpicos. Exortou-nos o Santo Padre: “diante de um mundo que está sedento de paz, tolerância e reconciliação, faço votos de que o espírito dos Jogos Olímpicos possa inspirar a todos, participantes e espectadores, a combater o bom combate e a terminar juntos a corrida (cf. 2 Tm 4, 7-8), almejando alcançar como prêmio não uma medalha, mas algo muito mais valioso: a realização de uma civilização onde reine a solidariedade, fundada no reconhecimento de que todos somos membros de uma única família humana, independentemente das diferenças de cultura, cor da pele ou religião”.
Que possamos ser atingidos pelas “Lições” dos Jogos Olímpicos, e desta forma sermos motivados a viver de forma “virtuosa”, empenhados na construção de uma sociedade justa, fraterna, tolerante e pacífica. E os bons exemplos não param por aí: a partir de 7 de setembro presenciaremos as Paraolimpíadas: certamente teremos mais e mais boas histórias para nos inspirar na luta por um mundo melhor. Assim, que não apenas alguns afortunados sejam “medalhistas”, mas todos tenhamos a possibilidade de sermos vencedores.
Jornal "O São Paulo", edição 3117, 31 de agosto a 7 de setembro de 2016.