segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Estado subsidiário e não substituto: uma oportunidade para a Igreja

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Ana Lydia Sawaya é professora da UNIFESP, fez doutorado em Nutrição na Universidade de Cambridge. Foi pesquisadora visitante do MIT e é conselheira do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

Estudo recente mostra que as áreas da administração pública onde ocorrem os maiores desvios de dinheiro são as áreas da educação e saúde. E não só, o estudo mostra também que as cidades menores e mais pobres, com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo, são aquelas onde os desvios são mais escandalosos. Há descrição de políticos e servidores públicos desviando recursos destinados a hospitais, postos de saúde, remédios, escolas e merenda escolar, para comprar uísques e vinhos importados, festas, etc. Quando lemos estas notícias ficamos desanimados, achando que não há solução, ou ainda, que a solução passa apenas pela ação do poder judiciário. Muitos procuradores, porém, tem afirmado que a mera aplicação das leis não dará conta de vencer a corrupção sistêmica.
O conhecimento destes fatos já é um sinal importante do amadurecimento de nossa democracia. Mas, justamente por causa disso, abre-se uma oportunidade única para a Igreja e que não deve ser perdida: propor, como parte da sociedade civil organizada, caminhos para a melhoria da qualidade dos serviços de educação e saúde, que sempre fizeram parte da nossa tradição. A constituição de 1988 afirma que educação e saúde são direitos do cidadão e, portanto, devem ser providos pelo Estado gratuitamente. Há séculos, porém, a Doutrina Social da Igreja vem nos ensinando que este não é o melhor modo de gestão para garantir o respeito à dignidade e liberdade humanas e o bem comum. Ela afirma, ao contrário, que é melhor um Estado subsidiário que participa do financiamento de escolas e hospitais, ou seja, subsidia-os, mas deixa a gestão direta a cargo de organizações intermediárias da sociedade civil. Este compartilhamento de responsabilidades permite maior controle e garantia de serviços de qualidade. As congregações ou ONGs da Igreja que gerenciam escolas e hospitais o fazem por ideais, desejo de bem e amor ao próximo, além de serem mais econômicas e ter mais cuidado na gestão dos recursos financeiros do que a enorme máquina burocrática do Estado. Durante muitas décadas o Estado brasileiro foi refratário a esta forma de gestão, não a favorecendo, salvo em situações em que os recursos eram insuficientes ou o Estado não tinha capacidade de gestão, ou até a dificultando. Por isso, tantos colégios e hospitais católicos fecharam ou estão em grave situação econômica, muitos tendo que se desdobrar na busca de doações e financiamentos que são esporádicos e descontinuados.
Um exemplo de subsidiariedade, que ocorre em países como a Itália, é a existência de leis que permitem que escolas de ensino fundamental e médio confessionais se sustentem com duas fontes de renda complementares: uma bolsa paga pelo governo para cada aluno (e que depende da renda da família) e uma mensalidade complementar paga pelos pais. A mesma coisa se poderia fazer com os hospitais confessionais e tratamentos médicos que poderiam ser pagos pelo SUS com uma complementação para o tratamento paga pelo paciente de acordo com sua renda. Talvez poucos saibam, mas esses hospitais em SP são os que mais atendem o SUS, e estão sofrendo muito com os repasses insuficientes enquanto o governo diz que não tem dinheiro. A sustentabilidade e qualidade dos serviços à população poderia se beneficiar muito com esse sistema subsidiário e de complementariedade de pagamento.
Jornal "O São Paulo", edição 3136, 1 a 7 de fevereiro de 2017.

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