terça-feira, 28 de novembro de 2017

Sobre prêmios e empurrões

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Marcelo Musa Cavallari é escritor, tradutor e jornalista especializado em assuntos internacionais. Traduziu “O Livro da Vida de Santa Teresa D’Ávila” para a Companhia das Letras e escreveu “Catolicismo”, para a Editora Bella.

O prêmio Nobel de Economia de 2017 foi para Richard Thaler, um economista americano que, junto com o filósofo do direito Cass Sunstein, advoga o que eles chamam de “paternalismo libertário.” A ideia é deixar as escolhas com as pessoas - daí o libertário - mas “guiando-as” para o próprio bem de quem escolhe - donde o “paternalismo”.
Thaler é um dos pais da economia comportamental que, ao contrário do que diz a economia clássica, afirma que o homem, em suas interações econômicas, não é puramente racional. Influenciam suas escolhas todo tipo de sentimento, hábito, mania. Para restringir seu campo e torná-lo mais inteligível, a economia clássica criou a ficção do homo economicus puramente racional que busca sempre a melhor relação custo/benefício.
Thaler quer pôr de volta na equação a totalidade da escolha humana. O problema é que esse é exatamente o campo em que se dão as questões morais. Só pode ser certo ou errado moralmente, só pode ser pecado, aquilo que é passível de escolha. “Com base em descobertas bem estabelecidas da ciência social, mostramos que, em muitos casos, os indivíduos fazem escolhas bem ruins,” escrevem Thaler e Sunstein no livro Nudge. “Escolhas que eles não teriam feito se tivessem prestado completa atenção e possuíssem informação completa, habilidades cognitivas ilimitadas e completo auto-controle.” Thaler propõe, com a ajuda da psicologia e das ciências sociais, uma “arquitetura da escolha”, como ele mesmo a chama, capaz de “dirigir as escolhas das pessoas em direções que vão melhorar as vidas delas”.
Que nós fazemos escolhas ruins é uma obviedade. A teologia nos ensina que, depois da Queda, não temos completo autocontrole. Informação completa é algo que só cabe à mente de Deus. Não a temos nem como indivíduos nem coletivamente.
Thaler acredita que instituições privadas ou governos deveriam dar “empurrões”, tradução possível de nudge, para pessoas escolherem o que é melhor para elas. Pensa, portanto, que essas instituições ou governos têm informação completa e capacidades cognitivas ilimitadas para saber qual escolha as pessoas devem fazer para chegar aonde devem ir. E para saber aonde é que elas devem ir. Ser aquilo que se deveria ser, chegar aonde se deveria chegar, é a definição de felicidade de Aristóteles. A “arquitetura da escolha” faz as vezes de autocontrole e livre-arbítrio, na ideia de Thaler. A felicidade que ele concebe, portanto, no fundo não precisa da mais humana das características, a razão. Uma pessoa não precisa saber aonde vai nem por que escolheu o melhor caminho. Precisa apenas escolhê-lo e ir.
Evidentemente um tal conceito de felicidade, uma felicidade ao alcance de instituições privadas e governamentais, só funciona numa concepção que exclui qualquer transcendência, qualquer significado último da vida.
“Felizes os pobres em espírito, porque verão a Deus” diz Jesus no Sermão da Montanha. Ninguém verá Deus graças a uma “arquitetura da escolha”. Ao abandonar o mais modesto conceito de homo economicus, a economia comportamental leva a economia moderna de volta ao campo da filosofia moral da qual veio pouco a pouco se desligando desde Adam Smith. Volta, porém, sem filosofia nem moral, levando em conta apenas dados empíricos e descritivos de ciências e uma tecnologia social preocupada só com resultados. Não importa que os resultados sejam bons. Judas queria que a pecadora arrependida não usasse o unguento como gesto de reconhecimento de que, diante de Jesus, estava vendo Deus. Gostaria, talvez, de ter dirigido a escolha dela numa direção melhor para ela e para os outros: que o perfume fosse vendido e o dinheiro dado aos pobres. O resto é história.
Jornal "O São Paulo", edição 3175, 15 a 22 de novembro de 2017. 

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