terça-feira, 20 de março de 2018

O Papa Francisco, violência e fraternidade


Francisco Catão, teólogo, foi professor no Instituto Pio XI e na Faculdade São Bento, autor de vários livros, tais como “O que é a Teologia da Libertação”, “Em busca do sentido da vida” e “Espiritualidade cristã”.

O tema da Campanha da Fraternidade este ano é absolutamente central no Magistério do Papa Francisco. Faz parte do que há de mais marcante no seu ministério.
Para começar, é um dos quatro grandes princípios que comandam a Doutrina Social da Igreja no seu programa de governo, a Exortação Apostólica Alegria do Evangelho (AE, cap. IV, 226-230) e figura também no centro de sua principal Encíclica, a Laudato si’, como expressão da “ecologia integral” (cf. LS, cap. IV, 137-162).
Na Exortação Apostólica, explica que no contexto secularizado do mundo atual, a Igreja, pela sua vida e doutrina, é testemunha de Jesus. Não lhe compete a tarefa de indicar como se deve organizar a sociedade. Tal tarefa temporal é da responsabilidade pessoal e coletiva de todos, envolvendo os cristãos, leigos, religiosos ou clérigos, por uma vida comprometida na família, no trabalho, e/ou em movimentos, partidos, organizações e outras instituições adequadas.
A ação social, política e econômica dos cristãos deve sempre visar à paz, sem todavia, dissimular ou ignorar os conflitos, mas também sem jamais recorrer a qualquer espécie de violência, a exemplo de Jesus, de quem devemos dar testemunho.
A Laudato Si, por sua vez, interpreta a forma com que tratamos o planeta como um sintoma da violência que habita em nossos corações (LS 2). O pecado manifesta-se hoje, com toda a sua força de destruição nas várias formas de violência social (LS 66).
No mundo e no nosso país, temos vivido desde o terrorismo, até as mais diversas formas de violência, explícita ou dissimulada, como reconhecem os muitos textos da CF 18.
A liberdade do ser humano, que não é plenamente autônomo, adoece quando este se entrega às forças cegas do inconsciente, das necessidades imediatas, do egoísmo e da violência (LS 105), fruto de uma visão que confere ao homem um poder ilimitado sobre o mundo e consolida o arbítrio do mais forte, favorecendo as imensas desigualdades, injustiças e violências para a maior parte da humanidade (LS  82).
Dante disso, qualquer solução técnica que as ciências, através das várias organizações temporais, pretendam oferecer, embora indispensáveis, será insuficiente para resolver os graves problemas da violência. Ela é sempre uma ofensa a Deus uma infidelidade ao Evangelho. Será preciso fazer apelo aos crentes para que sejam coerentes com a sua própria fé e não a contradigam com as suas ações (cf. LS 200).
As religiões, contudo, quando pactuam até se vinculam ao poder político, são tentadas a adotar práticas de violência. Francisco entende que esse comportamento ambíguo e inaceitável provém não tanto de uma autêntica tradição religiosa, mas de determinismos culturais contrários ao seu espírito (cf. LS 200).
O anúncio do Evangelho começa sempre com a saudação de paz, que supõe uma fraternidade oposta a toda forma de violência, possível apenas, na medida em que nos confiamos ao Senhor que venceu o mundo e sua permanente conflitualidade, “pacificando-o pelo sangue da sua cruz” (Col 1, 20) (LS 229).
Cristãos, devemos poder rezar o “Pai nosso” como filhos agradecidos, unidos no perdão, dizendo: “perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos que nos têm ofendido”. Superamos assim a violência com o amor fraterno, que convive com as diferenças: ”vejam como eles se amam!”.
Jornal "O São Paulo", edição 3188, 28 de fevereiro a 3 de março de 2018.

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